Quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Última Modificação: 05/11/2018 14:12:31
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Mesmo antes de assumir o pontificado, Joseph Ratzinger já alertava para o perigo de aderir à noção de que não existem verdades objetivas
Bento XVI incluiu definitivamente nos debates eclesiais a crítica ao relativismo que domina a cultura ocidental. Poucos temas ganharam tanto destaque e apareceram com tanta frequência em discursos e homilias quanto a negação da existência de uma verdade objetiva, segundo a definição oferecida pelo próprio papa. Essa posição filosófica não teria causado grandes preocupações ao pontífice se, contraditoriamente, não viesse sendo imposta como uma verdade absoluta, na cultura e na política, afetando vários aspectos da realidade social, inclusive a própria fé, afirmam analistas.
Em abril de 2005, na missa que abriu o conclave da sucessão de João Paulo II, o então cardeal Ratzinger já havia dado pistas de qual deveria ser o maior desafio do futuro papa – tarefa que coube ao próprio Ratzinger. Naquela cerimônia, ele chamou de “ditadura do relativismo” a sistemática tentativa de calar os que se opõem à tese de que tudo se reduz a meras opiniões. A expressão se tornou um símbolo de sua luta e passou a ser reproduzida.
Embora à primeira vista o tema possa parecer distante de necessidades pastorais mais práticas, Bento XVI se esforçou para explicar a amplitude das consequências dessa forma de pensar. “Em nossa época parece que o relativismo se coloca paradoxalmente como ‘verdade’ que deve guiar o pensamento, as escolhas, os comportamentos”, disse o papa em uma de suas audiências gerais, em agosto de 2010.
O editor da revista de cultura e filosofia Dicta&Contradicta Joel Pinheiro explica que a exigência dessa subjetividade seria o motivo pelo qual a Igreja é atacada quando se pronuncia, por exemplo, sobre matrimônio ou sobre a própria fé em Jesus Cristo. “O relativismo admite que há opiniões conflitantes, mas nenhuma delas seria mais verdadeira que outra, e assim todo mundo estaria preso às suas verdades subjetivas”, descreve.
Segundo Pinheiro, essa tendência se tornou muito forte na intelectualidade europeia, migrou para a política e passou a ser usada como instrumento para evitar conflitos. No entanto, o que começou como uma forma de propagar a tolerância passou a não tolerar aqueles que não aderem ao imperativo de que tudo é relativo.
Efeitos sociais
Para o filósofo e colunista da Gazeta do Povo Carlos Ramalhete, os efeitos do relativismo não atingem apenas as religiões, mas o próprio valor dado à vida humana, já que ele também dependeria de pontos de vista e, assim, não haveria uma dignidade objetiva do homem. “Se tudo é forçosamente subjetivo, eu posso afirmar que você não tem direito à vida. É o caso do aborto, da eutanásia, dos genocídios”, afirma.
Luiz Felipe Pondé, professor de Ciências da Religião da PUC-SP e colunista do jornal Folha de S.Paulo, acrescenta que os danos causados pelo relativismo à família e à própria cultura ocidental justificam a ênfase que Bento XVI deu ao tema, citando o que considera outro ponto frágil do relativismo. “Só os ocidentais são relativistas. Nenhuma das outras culturas que assumimos como tão válidas quanto a nossa leva a sério essa coisa de relativismo”, diz.
Fonte: gazeta