Em vigor há dois anos, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é alvo de críticas de juristas ligados aos direitos da infância por supostamente facilitar o tráfico internacional de crianças e adolescentes. A norma determina as condições para viagens de menores de idade ao exterior. Ela dispensa a obrigatoriedade de autorização judicial para que a criança viaje desacompanhada de um dos pais ou sozinha e permite que os responsáveis autorizem o deslocamento dos filhos em cartório, sem necessidade de reconhecimento de firma por autenticidade.
O reconhecimento de firma ocorre quando o tabelião atesta que as assinaturas constantes na autorização pertencem realmente aos pais. Na modalidade de reconhecimento por autenticidade, os responsáveis devem assinar a autorização diante do tabelião. A Resolução 131 do CNJ, em vigor desde 2011, exige somente o reconhecimento de firma por semelhança, em que as assinaturas são comparadas, sem a obrigatoriedade da presença dos familiares.
“A resolução contraria regras previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), já que não dá proteção integral aos menores”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, ex-membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
A resolução determina que a autorização judicial é dispensável para que crianças ou adolescentes brasileiros viajem ao exterior em companhia de ambos os genitores, de um dos pais ou até mesmo desacompanhados ou acompanhados por terceiros. Já o ECA afirma que a autorização para que uma criança viaje desacompanhada de um dos pais ou sozinha deve ser concedida pelo Poder Judiciário. “Como é que a Polícia Federal terá garantia de que aquele carimbo de cartório é verdadeiro ou se o próprio cartório existe”, indaga o procurador do Ministério Público do Paraná e um dos redatores do ECA, Olympio de Sá Sotto Maior Neto.
De acordo com o juiz Daniel Issler, que participou da elaboração da resolução do CNJ, a medida não contraria o Estatuto e “apenas regulamenta os dispositivos” do ECA. “Os resultados alcançados foram de significativa desburocratização, com ganho de eficiência no serviço público, sem qualquer decréscimo na segurança”, afirma Issler, que hoje é membro da Coordenadoria de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Juiz defende resolução e rebate críticas
Segundo o juiz Daniel Issler, que participou da elaboração da resolução do CNJ, a medida facilitou a viagem de menores ao exterior sem implicar em aumento de tráfico ou outros crimes. “Observa-se que o índice de impedimentos de embarque já caiu pela metade nas localidades onde funcionam os maiores aeroportos brasileiros, sem que tenha havido qualquer notícia de aumento no numero de sequestros internacionais de crianças ou adolescentes”, afirma.
Ele explica também que a obrigatoriedade do reconhecimento de firma por autenticidade dificultaria a viagem de filhos de pais que residem no exterior ou onde não há cartórios extrajudiciais.
O advogado Ariel de Castro Alves, ex-conselheiro do Conanda, discorda. “Mesmo que a burocracia seja maior, exigir um documento via Poder Judiciário pode evitar que aliciadores falsifiquem documentos ou que um dos pais rapte o filho e leve para o exterior”, salienta.
O ECA determina que nenhuma criança ou adolescente nascido em território nacional poderá sair do país em companhia de estrangeiro residente ou domiciliado no exterior sem expressa autorização judicial. Esse ponto foi mantido pela resolução 131 do CNJ. “Mas quem mora no Brasil, segundo a resolução, pode viajar com o menor para o exterior sem autorização do Judiciário. É uma medida até discriminatória”, critica Alves.
Em resumo
Veja o que diz a resolução do CNJ sobre viagens de menores ao exterior:
- É dispensável autorização judicial para que crianças ou adolescentes brasileiros residentes no Brasil viajem ao exterior, nas seguintes situações:
I) em companhia de ambos os genitores
II) em companhia de um dos genitores, desde que haja autorização do outro, com firma reconhecida por semelhança
III) desacompanhado ou em companhia de terceiros maiores e capazes, designados pelos genitores, desde que haja autorização de ambos os pais, com firma reconhecida por semelhança
- Sem prévia e expressa autorização judicial, nenhuma criança ou adolescente brasileiro poderá sair do país em companhia de estrangeiro residente ou domiciliado no exterior.
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Território nacional
O ECA permite que adolescentes maiores de 12 anos viajem em território nacional desacompanhados de pais ou responsáveis. Essa prática, segundo Ariel de Castro Alves, facilita fuga dos filhos e até mesmo casos de aliciamento sexual. Para o procurador do Ministério Público Estadual e um dos redatores do ECA, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, essa medida deve ser revista. Segundo ele, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga tráfico de pessoas pode propor essa mudança.
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