Quinta-feira, 05 de setembro de 2013
Última Modificação: 05/11/2018 14:04:19
Zero Hora percorreu postos de sade de Porto Alegre e do interior do Estado para ver como foi a recepo dos 57 profissionais que atuaro no programa em 26 municpios
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Jornalistas Zero Hora percorreram postos de saúde de Porto Alegre e do interior do Estado para ver como foi a recepção dos 57 profissionais que atuarão no programa Mais Médicos em 26 municípios.
Na Capital, dos 13 esperados nesta primeira fase, apenas oito apresentaram seus documentos. Eles têm até o dia 12 de setembro para assumir seus postos. Caso não compareçam, serão desligados.
Os relatos mostram as dificuldades que os médicos enfrentaram em alguns locais e também o alívio dos pacientes ao receberem atendimento qualificado.
Mais Médicos mesmo
Depois de dois meses de vida, Gustavo verá um médico pela primeira vez hoje, quando a agenda de consultas do novo profissional será aberta. A mãe, Joice dos Santos, 30 anos, não consegue conter a ansiedade. Ela mora no bairro Agronomia, em Porto Alegre, e frequenta o posto Esmeralda, desde que engravidou, em 2012. Fez todo o pré-natal apenas com as enfermeiras. Conheceu o obstetra na hora do parto.
Em Jaguarão, no sul do Estado, como a nova médica contratada está na semana de adaptação, muitos pacientes ainda não sabem da sua chegada. É o caso do aposentado Antônio José Lessa Coelho, 72 anos.
– Não sei se vai fazer diferença – diz Coelho, que vai ao posto mensalmente para renovar receitas médicas.
Mas, conforme expectativa da direção do posto, com a nova médica, o serviço será ampliado, passando de um dia de atendimento por semana para quatro.
Bons postos existem
Em meio ao caos, alguns postos são exemplos de bom funcionamento e disponibilidade de materiais, como o Esmeralda, no bairro Agronomia, na Capital. Israel Batista, 67 anos, diz que sempre é muito bem recebido, garante que o atendimento é rápido e que consegue fazer os exames de que precisa.
– O posto é ótimo, só não tem médico – graceja, sem saber da chegada de um médico pelo programa.
Em Bento Gonçalves, na Serra, desde a manhã de terça-feira a unidade de Estratégia da Saúde da Família do bairro Zatt conta com mais uma médica.
Um casal de pedreiros recorreu a Caroline Bozzetto Ambrosi, 29 anos, queixando-se de dores musculares. Jurema Monteiro, 39 anos, também reclamou de ansiedade e recebeu medicamento.
– O atendimento aqui no posto é muito bom, só faltava mesmo um médico – comenta Jurema.
Não há médicos
O posto Quinta Unidade da Restinga, em Porto Alegre, estava há oito meses sem médico. Só na próxima segunda-feira a nova profissional contratada pelo Mais Médicos – que morava em outro Estado – deve assumir a agenda. Durante esse tempo todo, dois enfermeiros realizaram os atendimentos, sem o poder de prescrever medicamentos, encaminhando os casos mais graves para emergências hospitalares.
Quem precisasse de uma consulta especializada tinha de aguardar um médico volante da prefeitura, que atende conforme a demanda. A carência, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), está vinculada à falta de estímulo à permanência em regiões desassistidas e não à escassez de médicos, já que o Estado tem 25 mil profissionais – 2,31 por mil habitantes –, e o Brasil é o quinto país do mundo em número absoluto de médicos.
Sobram pacientes
Quando o posto de saúde do bairro Kennedy, em Jaguarão, se transformou em postão para Estratégia da Saúde da Família, em 2012, foram delimitadas as áreas de atuação. O recomendado, segundo o Ministério da Saúde, é que cada equipe responda por 3 mil habitantes. O posto, porém, já está ultrapassando 4 mil, o máximo possível. Por isso, uma médica foi encaminhada para o local.
Para garantir uma consulta, a dona de casa Luciane Dias Souza foi para a frente do posto às 5h de sexta-feira:
– Tem que chegar cedo, senão não consegue ficha.
Por dia, diz a enfermeira Bruna Gomes, são distribuídas 40 fichas:
– É o que conseguimos fazer. Infelizmente, algumas vezes há gente que não consegue atendimento. Então, dizemos para irem ao hospital.
Faltam aparelhos
A médica Daniele Sampaio Colvara, que atende em Jaguarão, leva aparelhos próprios para as consultas porque alguns não são disponibilizados pelo posto. Outros são obsoletos ou de baixa qualidade.
– Esse estetoscópio do posto de saúde não me permite escutar ruídos mais delicados, o que dificulta o diagnóstico – comenta.
Mas o maior problema está na falta de aparelhos de ouvido, como otoscópio:
– Quando outros (médicos) precisam usar, pedem emprestado para mim.
Um cartaz evidencia outro problema: não são distribuídas senhas para dentista porque o equipamento de esterilização estragou.
Já no município de Redentora, no Noroeste, João Carlos Pereira – contratado pelo programa Mais Médicos – resume a falta de itens essenciais para trabalhar:
– Tenho apenas caneta, blocos para receitar medicamentos e um estetoscópio.
Remédios acabam
A aposentada Elsa Brant Del Roio, 66 anos, saiu da farmácia da Unidade Básica de Saúde, em Redentora, sem um dos três medicamentos que o médico receitou na tarde de ontem.
– A moça me falou que não tinha mais o Diazepam e que eu vou ter de voltar amanhã – lamenta Elsa.
Segundo ela, o problema não é exceção no município. A aposentada garante que é comum o marido e os amigos também esbarrarem na falta de medicamentos.
Sobra improviso
O posto de saúde do bairro Kennedy, em Jaguarão, já contava com uma médica. A nova profissional, advinda do Mais Médicos, teve de ser alojada na sala emprestada da enfermagem. Já a enfermeira coordenadora mudou-se para uma sala que ainda está em obras.
A zeladora do posto de saúde e moradora dos arredores, Ana Celi Echevenguá, lembra bem da fundação do local em 1989:
– Era um salão de festas da comunidade.
Com 96 metros quadrados, o salão único, com chão de pedra, foi adaptado. Divisórias de cortiça foram erguidas para delimitar consultórios. Mas isso não impediu que o ruído transpusesse as paredes improvisadas:
– Às vezes, estou atendendo um paciente e, do outro lado, escutamos a conversa de outro paciente com o médico. Quando o assunto começa a ficar muito pessoal, faço barulho, bato pé. Fica chato para o paciente que pode ser vizinho saber das intimidades do outro – explica a dentista Rita de Cássia Rodrigues.
E a burocracia impera
Valquíria Nunes da Silva, 43 anos, mora a 150 metros da Unidade Castelo, no bairro Restinga, em Porto Alegre. Por não pertencer à área delimitada pelo posto para atendimento, precisa caminhar quase 1,5 quilômetro para chegar a outro posto, o Macedônia, que não tem ginecologista.
Dessa forma, faz quatro anos que a mulher e as três filhas adolescentes não consultam com um especialista. Postos enfrentam carência de outras áreas, como ortopedistas, por exemplo. Somente em Porto Alegre, no ano passado, 75 mil pacientes aguardavam na fila por uma consulta com especialistas.
– Depois a gente faz escândalo e é chamada de louca, mas não dá para viver assim. Me dá uma raiva. Por causa desta política nojenta, somos destratados. Não sei mais a quem recorrer – afirma Valquíria.
Desconfiança no ar
O teste feito por Zero Hora mostra que os profissionais contratados pelo Mais Médicos enfrentarão as mais variadas dificuldades estruturais, deparando com um quadro ao qual os médicos já em atividade não se cansam de criticar: faltam equipamentos e aparelhos básicos, não há remédios, muitos prédios não têm estruturas físicas adequadas e, sobretudo, há pacientes demais para médicos de menos.
No bairro, Lami, zona sul da Capital, o clima ontem era de alegria. O novo médico já havia assumido o posto e começado a atender de leve. Não foram mais que 10 pacientes.
– De manhã, já exibimos a nossa aquisição por aqui – brincou uma funcionária do posto.
Mas para alguns nem a boa-nova da ampliação do quadro de médicos em algumas regiões se desenha animadora. Maria de Lourdes Krieger, 66 anos, passou esbravejando em frente ao posto Castelo, na Estrada João Antonio da Silveira, no bairro Restinga:
– O médico tira férias a cada três meses.
Ao saber que um profissional do Mais Médicos chegaria ao local nos próximos dias, Lourdes esbanjou desconfiança:
– Claro que seria bom se ele viesse. Mas eu não acredito que este programa dê certo.
Pelo visto, além das dificuldades inerentes à atividade, os médicos terão de superar o ambiente de desconfiança que cerca o programa.
Fonte: Clicrbs