Depois de impasses ambientais, setor privado cria programa que certifica empresas de aviação agrícola; por enquanto 20 cumprem as “regras da sustentabilidade”
A frota de aviões agrícolas cresce a passos largos no Brasil. Somente na última década, o número de veículos aéreos destinados aos trabalhos de campo mais que dobrou. Hoje são mais de 1,9 mil unidades registradas no país – 78 estão no Paraná, conforme dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O aumento desse mercado, porém, acendeu um sinal de alerta para o setor, que agora entra na rota da regulamentação. Um programa promovido pela iniciativa privada, em parceria com instituições de ensino, promete certificar empresas que adotarem “boas práticas”.
A iniciativa surge após polêmica sobre os danos que a pulverização aérea pode causar ao meio ambiente. Em 2012, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) restringiu a aplicação de quatro princípios ativos por via aérea, que segundo estudos da entidade, elevavam o risco de morte de abelhas. O tamanho das gotas lançadas, a umidade e a movimentação do ar também precisam ser milimetricamente aferidos para evitar contaminação de rios e até de plantações vizinhas. “A aviação agrícola não admite gambiarra”, resume João Paulo Rodrigues da Cunha, professor da Universidade Federal de Uberlândia (MG). Ele faz parte de um time reunido pela a Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf) para executar o programa de Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS).
Apesar dos riscos existentes, especialistas defendem que, se for bem executada, a atividade pode garantir ganhos técnico e econômico ao campo. Com o avião, não há compactação das plantações e nem do solo, por exemplo, o que segundo Cunha, pode gerar economia de até três sacas de soja por hectare. O número considera a perda em função do “esmagamento” das plantas pelo trator no método convencional. A agilidade na aplicação também pesa a favor dos aviões.
Até o momento, 20 empresas que têm licença para realizar esse tipo de serviço foram certificadas pelo CAS, menos de 10% do total. Atualmente, existem no Brasil 227 companhias nesse segmento – 26 delas são paranaenses. “Queremos que 75% do setor [170 empresas] receba essa certificação até 2017”, revela Ulisses Antuniassi, agrônomo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que também atua na realização do programa.
Gotejadores acoplados aos aviões precisam ser monitorados constantemente por técnicos com roupas especiais
O processo de certificação do voo agrícola não é obrigatório, mas promete retorno. “Ainda não mensuramos o retorno, até porque é muito recente, mas acredito que será um argumento para ganhar mercado”, afirma Bruno Vasconcelos, diretor executivo da Sana Agro Aérea, de Leme (SP), uma das empresas certificadas.
A altura de voo é outro fator que pode afetar a eficiência do trabalho – se o avião está em altitude muito elevada o risco de deriva dos agroquímicos é maior. Por outro lado, os voos de baixa altitude elevam as chances de acidentes. Em 2013, foram registrados 38 acidentes aéreos somente durante as operações agrícolas, 10 a mais do que no ano anterior.
Venda de aviões para agricultores mantém demanda aquecida
O salto na demanda por aviões agrícolas também é reflexo de um aumento no interesse dos agricultores pela atividade. Na Embraer, que detém 62% do mercado aeroagrícola, metade das vendas é feita para pessoas físicas, calcula Fábio Carretto, gerente comercial da empresa. “A ideia de que só grandes produtores possuem aviões é equivocada”, aponta.
Agricultores que optaram pelo investimento dizem que o retorno é garantido. Com uma área de 4,7 mil hectares cultivada em Unaí (MG), Theodorus Sanders, fez as contas e concluiu que nem mesmo o aluguel de um avião valeria a pena. “Não é um investimento barato, mas em seis anos ele se paga”, calcula. Os especialistas calculam que o custo médio do serviço de aplicação varia entre R$20 e R$50 por hectare, mais o valor do defensivo. “Com um avião é possível fazer o trabalho de três pulverizadores, e de forma mais rápida”, destaca Leivandro Fritzen que cultiva 12 mil hectares na Serra do Quilombo (Piauí).
Carretto destaca que além do crescimento em quantidade, há também um aumento na renovação da frota nacional. No caso da Embraer o carro-chefe das vendas é o Ipanema, um modelo fabricado desde 1972. O avião está na sexta geração, e ao todo foram vendidas mais de 1,3 mil unidades. Ao custo de R$ 950 mil, a última versão do Ipanema oferece a possibilidade de propulsão a etanol, que reduz ainda mais os custos, e permite pulverizar uma área de 100 hectares em aproximadamente uma hora.
Processo de certificação envolve três etapas e começa por um cadastro que pode ser realizado pela internet. Nenhuma empresa do Paraná foi certificada até o momento – o estado possui 26 companhias em atuação nesse segmento.
Online: O primeiro nível de certificação é obtido eletronicamente, por meio de cadastramento online. Os documentos dos pilotos e técnicos responsáveis pela aplicação são digitalizados e enviados dentro de prazos estabelecidos. O cronograma e o envio podem ser encontrados no site: www.cas-online.org.br
Testes de campo ajudam a aferir tamanho das gotas lançadas nas lavouras e se não há deriva dos produtos químicos
Capacitação: a segunda etapa exige participação em cursos relacionados à área ambiental. A frequência e o desempenho em provas teóricas definirão a certificação.
Inspeção: o terceiro nível corresponde a uma inspeção na empresa aeroagrícola para verificar se os preceitos ensinados no curso estão sendo executados, além da checagem da infraestrutura da empresa responsável pela aplicação.
1,9 mil É o número de aviões agrícolas em atividade no Brasil atualmente, conforme dados da Associação Nacional da Aviação Civil (Anac). Segundo maior produtor nacional de grãos, Paraná conta com 4% da frota nacional.
O jornalista viajou a convite da Andef.