Segunda-feira, 08 de setembro de 2014
Última Modificação: 05/11/2018 13:41:33
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Repasse estadual de IPVA é maior do que tributos sobre imóveis em 90% das prefeituras do Paraná. Falta de revisão de valores gera dependência e injustiça tributária
No momento em que grandes municípios do país discutem a implantação do IPTU progressivo para combater imóveis vazios ou subutilizados, a maioria das cidades brasileiras e paranaenses ainda ignora ou subestima o imposto sobre imóveis e terrenos como mecanismo de planejamento urbano.
Levantamento da Gazeta do Povo junto ao banco de dados Finanças Municipais (Finbra), da Secretaria do Tesouro Nacional, mostra que ao menos 8 entre 10 prefeituras do Paraná têm arrecadação superior com a cota-parte de IPVA (os 50% do tributo que o estado repassa aos municípios) do que com o Imposto Predial e Territorial Urbano, IPTU.
A mesma tendência é percebida no cenário nacional. Na visão de especialistas, os números apontam para um “IPTU regressivo”, que pode trazer consequências importantes, como diminuição da capacidade de investimentos do município, dependência financeira e injustiça tributária.
Secretário municipal de Finanças de São Bernardo do Campo (SP) e estudioso da questão, o economista Alexandre Sobreira Cialdini fala em “descaso na aplicação do IPTU”, em decorrência de uma cultura patrimonialista. Segundo ele, o histórico de taxas elevadas do país e o alto custo administrativo e até político de reajuste do imposto acabam deixando a discussão da reforma tributária no nível do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias). “A consequência disso é que aumenta a dependência do município de transferências estaduais e federais.”
De acordo com o especialista, embora os impostos não tenham destinação fixa, o IPTU é uma fonte importante de receita para o ordenamento urbano, limpeza pública e manutenção de logradouros. “Ele pode ser visto como uma taxa de condomínio para manter a cidade”, resume.
Olhando para as cinco maiores capitais do país, Cialdini destaca que, em 2012, o tributo sobre a propriedade de imóvel representou perto de 10% da receita corrente (soma da receita tributária e transferências). Nas cinco menores, a relação não passou de 2%. “Só 32% dos imóveis brasileiros arrecadam IPTU. É preciso aumentar a importância desse imposto no sistema tributário brasileiro, criar iniciativas para diminuir a rejeição da população.”
Os dados do Finbra revelam que 87 municípios brasileiros não arrecadaram IPTU em 2012. Em um deles, a arrecadação foi de R$ 0,01. Na avaliação de Alexandre Porsse, professor do departamento de Economia da UFPR, o esforço fiscal de cobrança costuma ser maior nos grandes municípios. “Em cidades pequenas, as transferências representam boa parte do orçamento. Para o prefeito, é difícil cobrar,porque a população associa a um custo e não reconhece que aquilo pode se converter em política pública.”
Outro aspecto predatório envolvendo o tributo é a competição entre municípios. “As pessoas e empresas tendem a ir para onde não há cobrança”, diz Porsse. A ausência de penalidade também é um fator que contribui para a baixa adesão. “A pessoa continua tendo energia elétrica, abastecimento de água, não há incentivo ao pagamento. Mas isso gera distorção e problema de justiça de tributação, alguém está pagando a mais.”
Falta de punição contribui para a negligência
A arrecadação de IPTU só supera o repasse de IPVA em 46 dos 395 municípios do Paraná (11%) levantados pelo Tesouro Nacional (o estado tem 399 cidades). Em 165 deles, ou 40% dos casos, a cota-parte de IPVA é maior do que a soma do IPTU com o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) e Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Atos Intervivos (ITBI), os três tributos relativos à propriedade imobiliária.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, José Roberto Afonso explica que a virada do IPVA sobre o IPTU no cenário nacional se deu em 1997. “Hoje, já deve estar na casa dos 40%.” O IPTU depende de aprovação na câmara de vereadores, de uma lei definindo o valor médio dos imóveis de uma região (planta de valores), enquanto a tabela Fipe, com o valor dos automóveis para fins de IPVA, é definida por um ato administrativo do governo estadual.
O economista Alexandre Cialdini acrescenta o crescimento do setor automotivo (cuja participação no PIB passou de 12,5%, em 2000, para 18,2%, em 2011) como fator contributivo para o novo cenário. “Isso reflete diretamente na arrecadação do IPVA, que tem uma média nacional entre 7% e 9% de inadimplência, enquanto no caso do IPTU, esse percentual supera 50% em muitas cidades.”
O fluxo de giro diferente de veículos e casas é outro fator. “Só se transfere o carro se estiver com o IPVA em dia. Você já ouviu falar de blitz de imóveis? Inexiste, mas existe a de veículos, e gera apreensão caso o imposto não esteja pago. Com isso, de 40% a 70% das pessoas vivem ilegalmente nas cidades, ou seja, tendo a posse do imóvel e não pagando a tributação.”
Para o coordenador do mestrado e doutorado em Gestão Urbana da PUC/PR, Carlos Hardt, constitucionalmente o prefeito não pode deixar de cobrar os tributos de competência municipal, como IPTU e ISS. “Mas, motivados por questões políticas, os gestores não atualizam a planta genérica de valores. Hoje um imóvel vale R$ 100 mil e cobro X% sobre isso. Daqui cinco anos, ele passa a valer R$ 500 mil, mas continuo cobrando sobre R$ 100 mil.” Para evitar questionamentos legais sobre reajustes altos no IPTU, Hardt aponta a revisão anual da planta genérica como saída.
Fonte: gazeta