Quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Última Modificação: 05/11/2018 13:30:13
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Dados sobre processos que afetam células, responsáveis por sua diferenciação em 111 dos tecidos do corpo, podem ajudar na melhor compreensão de diversas doenças e no desenvolvimento de novos tratamentos para elas
Sequenciado completamente pela primeira vez há pouco mais de uma década, o genoma humano, com suas cerca de 3 bilhões de “letras”, guarda todas as informações necessárias para “construir” uma pessoa. Mas, apesar de quase todas nossas células terem o mesmo DNA, elas podem, e devem, ser muito diferentes umas das outras para que o corpo funcione bem. Afinal, os neurônios do cérebro cumprem trabalhos bem distintos do das células do músculo cardíaco, que por sua vez não poderiam fazer o que fazem as do fígado.
É a conhecida diferenciação celular, e para que isso aconteça é preciso controlar quais genes serão ativados e quais permanecerão dormentes nas células. E é aí que entra em cena o chamadoepigenoma, nome dado ao conjunto de processos e reações químicas que regulam esta expressão genética. Ele teve seu primeiro atlas de ação em 111 tecidos que compõem o feto e o organismo humano publicado ontem na edição desta semana da revista “Nature”, junto com mais de 20 artigos neste e outros periódicos científicos abordando seus mecanismos e possíveis relações com doenças e condições como asma, câncer, problemas cardíacos e Alzheimer.
Isso porque, mesmo não alterando diretamente o DNA, o epigenoma tem grande importância na maneira como nossas células funcionam e pode ser influenciado por fatores ambientais e hábitos individuais, como a poluição e o tabagismo. Em alguns casos, inclusive, sua atuação pode até mesmo ser hereditária, ajudando a responder o mistério do que é fruto da natureza e o que é resultado da criação — cuja resposta, muitas vezes, deverá ser “ambos”. Segundo os pesquisadores, é como se o genoma fosse um mapa-múndi em branco ao qual o estudo do epigenoma agora acrescenta os nomes dos países, estados e cidades, suas rodovias e ferrovias e a localização de portos e aeroportos, tornando-o muito mais útil.
"Hoje, podemos sequenciar o genoma humano de forma rápida e barata, mas interpretar este genoma ainda é um desafio", lembra Bing Ren, professor da Universidade da Califórnia em San Diego e coautor de diversos dos artigos relacionados ao projeto de mapeamento do epigenoma. "Estes 111 mapas de referência do epigenoma são essencialmente um livro de vocabulário que nos ajuda a decifrar cada segmento do DNA em células distintas e tipos de tecido. Estes mapas são como retratos do genoma humano em ação."
Diante disso, ainda durante o projeto — no qual o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) investiu US$ 300 milhões desde 2006 numa colaboração de centenas de cientistas de dezenas de instituições espalhadas pelo mundo —, diversos pesquisadores começaram a buscar na interação entre genoma e epigenoma possíveis fatores que levam ao desenvolvimento de doenças, abrindo caminho para novas abordagens na busca de tratamentos ou cura.
"As células do fígado e do cérebro usam diferentes pedaços do DNA para produzir um repertório distinto de proteínas dependendo de como os marcadores epigenéticos foram introduzidos em cada célula durante o desenvolvimento embrionário", destaca Steven Jones, professor da Universidade Simon Fraser, no Canadá e outro dos participantes no projeto. "E estes marcadores podem mudar ao longo da vida em resposta a fatores ambientais. De fato, mudanças nos padrões epigenéticos originais de uma célula já foram associadas a diversas doenças humanas, incluindo câncer e Alzheimer."
Fonte: Gazeta