Segunda-feira, 07 de março de 2016
Última Modificação: 04/01/2017 16:38:38
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“Procuro pensar que Deus só manda o peso que eu posso carregar; então vou cuidar do meu filho como ele vier. Mas eu me preocupo: quem é que vai cuidar dele quando eu morrer?”
A espera pelo resultado do exame que pode confirmar a contaminação pelo zika vírus colocou a gestação e a maternidade em perspectiva: a preocupação de Ana*, 19 anos, grávida de cinco meses do primeiro filho, confronta a ordem natural dos encontros, em que mães partem antes dos filhos, e ameaça todo um imaginário sobre o que é ser mãe e sobre o que se deseja para um filho.
Ana mora em Colorado, município do Norte paranaense e primeiro a registrar a contaminação pelo zika vírus em gestantes. Como outras mulheres, ela sentiu um único sintoma: vermelhidão e coceira. Não fosse o alarde nacional sobre o assunto, as manchinhas poderiam ter passado por alergia.
De acordo com o último boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde, já foram confirmados nove casos autóctones (contraídos no município) de zika em Colorado, sendo cinco em gestantes e um em uma puérpera, cujo bebê recebe acompanhamento. Na terça-feira (1.º), quando a Gazeta do Povo esteve na cidade, mais um caso em gestante havia sido confirmado. Pelo menos outras sete estão sob suspeita de contaminação – o número total de casos suspeitos de zika chega a 25.
A Secretaria Municipal da Saúde de Colorado adotou uma postura de resguardo diante dos casos de zika entre gestantes e tem preservado a identidade das pacientes. Sabe-se que as mulheres vivem em bairros diferentes, o que sugere uma ampla circulação do vírus pelo município; e que possuem idades e condições econômicas distintas. Talvez o caso mais delicado seja o de uma adolescente de 16 anos, grávida de gêmeos e contaminada pelo zika no primeiro trimestre de gestação.
Descaso
“As gestantes estão reféns isoladas de um vírus pouco conhecido; do poder público, que é ineficiente nas medidas para eliminar o mosquito e da população, que subestima a gravidade de epidemias de dengue e zika e descuidam de medidas simples, como cuidar do próprio jardim”, analisa Rafaela de Almeida, ginecologista e obstetra de Colorado que acompanha de perto três gestantes contaminadas pelo zika.
Nove meses de suspense
O medo atinge também as grávidas de Colorado que ainda não apresentaram nenhum sintoma, mas sentem-se vulneráveis ao vírus. É o caso de Elisa*, 28 anos, que espera o primeiro filho. Grávida de três meses, ela passa pela fase considerada de maior risco para uma contaminação pelo zika – momento em que as estruturas neurológicas do feto são formadas e os danos causados pelo vírus podem ser mais graves.
Diante do aumento de casos de gestantes com zika no município, Elisa redobrou os únicos cuidados aos quais pode recorrer: repelente e roupas compridas.
“Fico chateada porque muita gente vem me perguntar se eu não assisto televisão e como eu tive coragem de engravidar. Quer dizer que a culpa ainda é minha por ter engravidado, e não de quem contribuí para que o mosquito se crie. Se fosse hoje, esperaria para engravidar. Mas não quero ninguém apontando o dedo para mim, até porque sou eu que vou cuidar do meu filho como vier.”
Como Colorado chegou nessa situação?
A prefeitura atribuí o aumento do número de casos de dengue e zika às fortes chuvas que atingiram a cidade e seu entorno em novembro de 2015. Segundo o vice prefeito, Luiz Carlos Miosso, no dia 13 desse mês um vendaval derrubou mais de 600 árvores e destelhou dezenas de casas.
Foram mais de dois meses para concluir a limpeza, período durante o qual choveu e esquentou – a combinação preferida do Aedes aegypti.
Quando o número de casos de dengue começou a crescer, em janeiro, a prefeitura organizou um cronograma de mutirões que incluem orientação sobre como eliminar criadouros do mosquito e limpeza em todos os imóveis e terrenos baldios da cidade.
O trabalho não é fácil. Basta uma caminhada rápida pela área central de Colorado, onde surgiram os primeiros registros de dengue e zika, e pelos bairros para constatar um mau hábito generalizado: há muito lixo espalhado pelas ruas, calçadas e canteiros; nos terrenos, pneus, móveis velhos e todo tipo de entulho compõem os jardins - condições perfeitas para a proliferação do Aedes. Só do bairro Cairi, um dos maiores e mais pobres, foram retirados 20 caminhões de entulho.
“Fazemos um trabalho de formiga, de casa em casa, em todas as ruas. Mas há muita resistência dos moradores; muitos reclamam que ‘só eles limpam’”, conta Miosso. A solução foi baixar um decreto estabelecendo multas para aqueles que, uma vez notificados,insistam em não providenciar a limpeza adequada de seus terrenos e/ou imóveis.
Fonte: gazeta