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Apps na mira da justi?a

Sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Última Modificação: 05/11/2018 13:42:12


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Questões como anonimato e ofensa a direitos da personalidade alimentam as discussões jurídicas sobre aplicativos

O conflito entre liberdade de expressão e direitos de personalidade ganhou novos contornos no mundo digital recentemente. Os responsáveis pelo embate são os aplicativos Secret e Lulu, que acabaram sendo suspensos por decisões judiciais pelo fato de seus usuários terem ofendido outras pessoas, ampliando, assim, o debate sobre o assunto.

A liberdade de expressão com vedação expressa ao anonimato prevista na Constituição Federal foi o que motivou a suspensão do Secret, que vinha causando burburinho entre jovens. Isso porque o anonimato é a essência desse aplicativo, desenhado para evitar que terceiros possam descobrir quem fez cada afirmação ali publicada. Dessa forma, qualquer indivíduo pode declarar o que quiser sobre outra pessoa sem se preocupar em comprovar a veracidade do que alega. Um ambiente propício para a prática de crimes contra a honra – injúria, calúnia e difamação.

O Secret tem em seu site recomendações sobre comportamentos que devem ser evitados no uso do aplicativo, como a indicação para que o usuário não poste ameaças, discursos de ódio, informações particulares de outros e pornografia. A prática do bullying também é recriminada pela empresa. Mas nada disso impediu que tais atos fossem praticados dentro do ambiente da ferramenta.

A decisão da 5.ª Vara Cível de Vitória (ES) que ordenou a retirada dos aplicativos Secret e Cryptic (que tem as mesmas funções do Secret, mas que está disponível apenas para usuários de Windows Phone) das lojas on-line foi pautada na vedação do anonimato prevista no artigo 5.º, IV, da Constituição Federal (é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato). “É flagrante o potencial lesivo dos aplicativos Secret e o seu similar Cryptic, já que não só permitem como incentivam compartilhamento de frases e fotos sem que haja identificação de quem postou, havendo possibilidade, ainda, de destacar os segredos ‘mais curtidos’, incrementando eventual lesão”, concluiu o juiz de direito Paulo César de Carvalho.

A constatação de que a liberdade de expressão não é um direito absoluto foi embasada na concepção de que a liberdade deve ser acompanhada de responsabilidade. O magistrado entendeu que, além de poder servir para a responsabilização do usuário por eventuais abusos de direito cometidos, a identificação seria útil para que se possa interpretar de maneira mais completa o conteúdo da mensagem.

Precaução

Mesmo com uma interpretação literal do texto constitucional, o gestor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, Luiz Fernando Moncau, considera que a proibição por via judicial pode não ter sido a medida mais adequada. “Jogar para a ilegalidade um aplicativo é proibir toda uma tecnologia, com seus usos ilícitos e também os lícitos”, destaca Moncau.

Além disso, há interpretações desse dispositivo constitucional que são mais flexíveis e entendem que o anonimato só deve ser proibido quando for utilizado para prática de ilícitos. “O próprio governo incentiva, através de denúncias anônimas de crimes, por exemplo, que não haja a identificação do indivíduo”, explica o professor de direito penal da PUC-PR Daniel Laufer.

Lulu foi acusado de violar direitos da personalidade

No ano passado, o aplicativo Lulu também foi alvo de várias ações judiciais. O app era voltado a mulheres que queriam avaliar as características físicas de homens, através de comentários expressos por hashtags.

Em sentença proferida pela 2.ª Vara do Juizado Especial Cível de Vergueiro, de 21/07/2014, na cidade de São Paulo, o magistrado considerou que não houve violação ao direito de imagem, porque a fotografia do autor da ação já estava no Facebook. Ele também não vislumbrou ofensa à honra, porque as hashtags de cunho negativo (como #nãoquernadacomnada ou #shouldcomewithwarning) não teriam potencial para lesar a honra, nem no aspecto subjetivo nem no objetivo. Como não foi presenciada violação à intimidade, de acordo como o juiz, nenhuma ofensa de direito da personalidade foi percebida. “O autor teve aborrecimentos na relação mantida com as requeridas. Mas esses aborrecimentos não são indenizáveis. O mero ato ilícito não é capaz de ensejar lesão a direito da personalidade. É preciso ‘algo mais’, que não restou configurado in casu”, argumentou o juiz de direito Henrique Vergueiro Loureiro.

O professor da FGV Direito Rio Luiz Fernando Moncau considera que a sustentação para que o aplicativo Lulu permanecesse no ar era frágil juridicamente. “Ao permitir que pessoas que nunca houvessem concordado com a exposição fossem criticadas, a única saída dos que desejavam sair [da esfera de avaliação] era recorrer à Justiça. Se os avaliados tivessem criado seu perfil voluntariamente, haveria mais condições de sustentar a validade do aplicativo”, explica Moncau.

Uma decisão concedida em sede de liminar do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios também relativa ao aplicativo Lulu confirmou a importância da atuação do Ministério Público para a defesa dos direitos dos internautas. “Não há de se falar de ilegitimidade do Ministério Público. A um, porque dentre as suas atribuições constitucionais de Defensor Del Pueblo, está a proteção dos interesses coletivos e individuais indisponíveis. A dois, porque o processo civil moderno exige que, sempre que possível, seja dado preferência ao tratamento coletivo aos direitos individuais homogêneos”, sustentou a desembargadora Ana Cantarino.

Fonte: gazeta

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